quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Conto

   O primeiro de muitos (espero eu) contos feitos pelos membros do clã. O Veritas está, depois de um período  turbulento e improdutivo e tentativas infrutíferas de início de trabalho, dando o primeiro passo. Contamos com a colaboração e a criatividade de todo e qualquer membro do clã. Espero que gostem. Lázarus, fundador e líder do clã AWS; líder da linhagem Veritas.




Seleção das jovens


     Era de tarde, e, como sempre, fazia um calor de espantar os demônios do inferno na cidade velha. Na praça principal da capital do reino de Abmerah, dez mil das mais belas jovens persas estavam em fila, de frente para o palácio. Entre elas, duas das minhas únicas amigas mulheres: Hasha e Mellim.


     Mellim era a mais velha; apenas um ano mais velha que eu mesma. Havia nascido na estação de colheita das tâmaras, dentro da casa das águas. Ela era doce, porém muito desastrada; derrubava coisas a todo momento e sempre fazia muito barulho. No entanto, tinha o sorriso mais largo e os braços mais macios que a Pérsia já viu.

     Hasha era bem mais nova que nós, uns três anos menos. E ainda era baixinha, magra e de feições muito miúdas, talvez o motivo pelo qual as crianças gostavam tanto dela. Hasha era calada e assustadiça como um animalzinho do deserto. Parecia sempre prestes a estilhaçar, como uma boneca de vidro. Mas Hasha era de sabedoria impagável, e seus conselhos, embora raros, eram valiosíssimos. E ela também tinha uma linda voz.
Parecia ironia que minhas únicas amigas fizessem parte desse seleto grupo, do qual ninguém queria participar. Pois nove mil daquelas meninas voltariam para seus pais naquela tarde, mas mil delas, as virgens e mais bonitas, nunca mais o fariam. Elas seriam entregues por meu pai, rei de Abmerah, o maior e mais fértil dos reinos da Pérsia, a um afarit, um demônio, em troca da promessa de não destruir o reino, degolando cada homem, mulher e criança e devolvendo às areias do deserto os muros do palácio. Para poupar o reino inteiro por um ano apenas, mil jovens desoladas seriam entregues nas mãos do demônio sádico que as violaria e depois cortaria suas cabeças, jogando seus corpos pelo deserto como se fossem nada.

     Era chegada a hora. O cádi escolheria as jovens mais aptas para o sacrifício. Eu temia por Mellim e Hasha, mas também temia por cada uma daquelas moças sem escolha, mesmo as que não eram da cidade e que eu nunca havia visto antes. Afinal de contas, elas eram meu povo também. Eu era sua princesa, em quem eles confiavam, a princesa Khadija que todo o povo esperava que fosse assumir o trono depois de meu pai. Ver mil delas sendo enviadas como cabras para o abate era como ver mil litros do meu próprio sangue sendo derramados. Eu olhei para meu pai, e vi o sumo desespero em seu olhos, e sabia que ele sentia o mesmo. Ele sentia na carne a dor das meninas, mas, como rei, precisava tomar uma decisão para o bem de todos. O homem que eu nunca havia visto triste antes derramava lágrimas grossas.

     O cádi andava pelas filas de jovens, apontando as meninas escolhidas. Elas então corriam, chorando, para uma tenda, onde sua virgindade era verificada. Mellim e Hasha foram apontadas. Foi a última vez que as vi.

* Notas do autor:
Afarit - Criatura do deserto, conhecido por nós como "o gênio da lâmpada". Na cultura árabe, é um demônio, que faz favores em troca de mulheres e ouro, e que pode ser aprisionado em recipientes como garrafas e potes lacrados. Neste caso, aquele que encontrar um afarit aprisionado pode exigir dele um favor para libertá-lo, de onde surgiu a lenda do "gênio".

Cádi - Juiz regional.

Por: Agathe F.

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